de 29 de Setembro a 28 de Outubro de 2016
Declaração do artista:
Um gesto é o ponto de partida para situações imprevisíveis, nas quais podemos arriscar uma narrativa, uma incerteza, uma coincidência, uma inquietação, um vazio maior onde residem abscônditas as respostas por descobrir.
Os meus desenhos surgem de forma espontânea e descomprometida, quase como um hobbie diário, a partir de situações quotidianas ou projecções de estados de espírito e momentos de melancolia. Há cerca de 5 anos atrás abandonei o modelo de diário gráfico e fui fazendo desenhos em folhas cortadas, num formato portátil, com o intuito de servirem de ideias para mais tarde realizar uma série de pinturas. Ao longo do tempo eles tornaram-se uma forma de expressão íntima e privilegiada – já não os vejo como meros estudos mas como objectos concretos, irrepetíveis, testemunhos de um eu por vezes estranho para mim próprio.
Paralelamente, esta sensação de deriva encontrou uma expressão singular na série de trabalhos em vídeo que tenho intitulado de Mapas. Um mapa serve para nos encontrarmos, para saber onde nos levam as nossas escolhas – ao conquistarmos o espaço que nos envolve vamos definindo quem somos e para onde vamos. Nestes vídeos filmo-me a percorrer espaços com os quais tenho uma ligação importante. Através da montagem, crio relações espaciais inexistentes, reconfiguro arquitecturas improváveis, estabeleço uma ordem à qual faço obedecer as outras instâncias de mim mesmo.
Nuno Lacerda, 2016
Biografia:
Nuno Lacerda (n. 1983, Lisboa, onde reside e trabalha) concluiu em 2008 a licenciatura (Pré-Bolonha) em Artes Plásticas – Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Formação em banda desenhada (CITEN – Centro de Arte Moderna José Azeredo de Perdigão, Fundação Calouste Gulbenkian) e representação teatral (Casa de Teatro de Sintra). Desenvolve o seu trabalho individual em torno do Vídeo, da Pintura e da Ilustração e é membro activo de vários projectos colectivos de Teatro e Música. Desenvolve actividades de educação e sensibilização artística para o público infanto-juvenil desde 2005, e para público com necessidades especiais desde 2015, em colaboração com várias instituições culturais e particulares.
http://nunolacerda.weebly.com/
Declaração da curadora:
O trabalho em exposição na MUTE resulta da multiplicidade de meios de expressão artística que Nuno Lacerda tem vindo a desenvolver, integrando três vertentes do seu trabalho: desenho, pintura sobre tela e vídeo.
Abscôndito caracteriza o método que o artista emprega no processo de se auto-retratar, mantendo uma distância que não nos permite participar senão através da mera contemplação. A sua obra é, em grande medida, introspectiva e autobiográfica. No trabalho de vídeo, Nuno utiliza o seu corpo como personagem e elemento mediador do conceito que pretende transmitir; no desenho representa-se a si próprio, seja física ou psicologicamente, muitas vezes numa metamorfose com o bicho incógnito que recorrentemente explora na sua série de desenhos.
Para Nuno Lacerda, o desenho constitui uma prática quotidiana de experimentação com materiais e técnicas distintas, criando assim séries de desenhos, com ou sem lógica narrativa, mas com constantes variações na expressão do desenho, seja na criação de texturas ou na exploração da mancha. Existe uma tensão entre o traço ilustrativo, que gera profundidade no desenho, e a mancha mais ou menos aleatória que contraria essa tendência, trazendo o olhar do observador de volta ao plano do papel.
Em Escadote, a bidimensionalidade é novamente evocada através da “colagem” de vários planos de um mesmo local. Nesta obra, o artista cria um jogo de desconstrução na qual reproduz simultaneamente o mesmo escadote e a mesma personagem (o artista), o qual percorre o objecto em loop, como se de uma ilha se tratasse, num trajecto que não vai dar a lado nenhum. A melodia que acompanha o vídeo foi produzida com um órgão de forma a corresponder uma nota musical a cada um dos degraus do escadote. Com a simultaneidade de planos, isto irá resultar numa melodia bastante caótica. Escadote vem no seguimento de outras obras de vídeo no qual o artista explora esta questão da “colagem” de planos.
Este corpo de trabalho de Lacerda oscila entre o figurativo e o abstracto. O sentimento de mistério e a sensação de que algo existe para lá do que nos é apresentado, é recorrente, esteja este sentimento presente na mancha crua das telas, nos bichos míticos dos desenhos, ou mesmo nos espaços por onde vagueia a personagem de Escadote, indefinidos, misteriosos, abscônditos.
Leonor Vilhena, 2016