de 16 de Fevereiro a 18 de Março

 

             

               Mas não falemos de factos. Já a ninguém importam os factos. São meros pontos de partida para a invenção e o raciocínio

 Jorge Luís Borges, Utopia de um homem que está cansado in O Livro de Areia

 

            Paulo V. foi radioamador durante quatro décadas do século transato; o contacto inicial com o espólio acumulado ao longo deste período foi o mote para o questionamento e inquietação despoletada por esta atividade – o radioamadorismo. Cada mergulho nos seus livros, objetos, ou depoimentos, reforçou a consciência da existência de uma relação entre esta prática e a necessidade/motivação do ser humano em se transcender, em ultrapassar as suas limitações – questão transversal e recorrente na reflexão que tenho desenvolvido nos meus projetos autorais.

           Deste projeto, iniciado em 2014, apresenta-se agora o primeiro conjunto de obras, com incidência no gesto iniciático, no simbolismo e nas consequentes viagens virtuais que a prática do radioamadorismo potencia, sob a designação de CT1LN Parte I – As Viagens de Paulo V..

           Quatro momentos distintos pontuam esta mostra: através da série Artefactos é lançado um olhar arqueológico sobre as origens de Paulo V., revelando objetos relacionados com o início da sua atividade de radioamador; Templum – termo com origem na tradição romana, sendo a designação para o local escolhido pelos áugures para comtemplar os astros, de modo a tirar ilações a partir da leitura do espaço celeste – nomeia o conjunto de doze desenhos, construídos sobre os registos de doze dias de viagens preconizadas por Paulo V.; a instalação Propagação #2 (Chamada geral) – reservatório de espaço e tempo – de onde emana a chamada geral em código morse emitida por Paulo V.. Se esta peça remete para o  conceito de heterotopia preconizado por Michel Foucault – funcionando o posto de atividade do radioamador como um local heterotópico por excelência – já a instalação Da janela do meu quarto consigo ver o outro lado da rua (En Soph) convoca o universo de Jorge Luís Borges, onde o espelho é o veículo escolhido para a convocação do desejo de multiplicação (in)finita, lugar onde a representação é sempre uma construção.

 

Henrique Vieira Ribeiro, 2017

 

 


 

Anotação da montanha

 

Tenho boas razões para pensar que o planeta de onde o principezinho vinha era o asteróide B 612.

– Saint-Exupéry, O Principezinho.

 

         Henrique Vieira Ribeiro mergulha nesta perfuração porosa e, do lado de lá, tateiam-se distâncias. O tempo encolhe, dobra-se, replica-se, estende-se. Anotados, os pontos perfurados existem, mas desaparecem como cicatrizes, sintomas do seu acontecer. Só o que se apresenta ao longe existe, o que se vive de modo mediatizado. A comunicação por vezes precisa de ruídos para se saber quem é. O aparelho, a eletricidade, o código. Ao longe, existo. Preciso de uma montanha para ouvir o meu eco. De um planeta, para saber quem sou.

            O planeta de Paulo V. é um planeta de improbabilidade, como Niklas Luhmann enuncia: é tão difícil comunicar. Saint Exupery precisava de um avião que avariasse para nos explicar o mundo. Paulo V. esconde-se no fundo de uma assoalhada e coloca de fora uma antena. Só é possível comunicar dentro desta assoalhada, fazer amigos, estabelecer uma rede de pontos distantes, trocar lembranças do outro lado do mundo. Anotar as montanhas. Alguns antípodas sabem quem sou: eu não.

João Paulo Queiroz

 

 


 

Biografia:

            Henrique Vieira Ribeiro (Lisboa, 1970) Licenciado em Arte Multimédia, vertente de Fotografia, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, encontra-se atualmente a frequentar o Mestrado em Arte Multimédia, vertente de Audiovisuais, na mesma instituição. É desde 2016 docente convidado na ESAD Caldas da Rainha.

Utiliza a fotografia e o vídeo como media nucleares que em conjunto com o desenho formam os seus suportes de eleição. As suas inquietações têm como origem aspectos relacionados com a condição humana, nomeadamente a sua necessidade/desejo de transcendência. Tem ainda como temas recorrentes a memória e o esquecimento, onde o objeto enquanto portador de vida desempenha um papel preponderante. 

Expõe com regularidade desde 2011, estando representado em várias coleções particulares em Portugal, França e Inglaterra, assim como em várias instituições como o Museu do Combatente, Galeria Artur Bual, Associação 25 de Abril ou a Fundação Calouste Gulbenkian.

 

http://henrique.vieiraribeiro.net/