11 de Janeiro – 23 de Fevereiro 

Bárbara Bulhão,
Fábio Colaço,
Hugo Lami e
Francisco Pinto,

com curadoria de Andreia César | WIP

WIP é acrónimo de work in process, trata-se de um conceito com origem na indústria, sendo especificamente utilizado pela gestão de cadeias de fornecimento de mercadorias. Este conceito refere-se aos produtos ainda em fase de produção, enquanto aguardam finalização para serem posteriormente distribuídos e comercializados. WIP pressupõe a necessidade de espaço para armazenamento do produto inacabado, implicando ainda o empate de capital que acarreta o risco do vencimento dos produtos antes da sua comercialização.[1]

O vencimento da mercadoria antes da possibilidade da comercialização significa, pois, a permanência no seu estado de “não-valor-de-uso”[2] tanto para o fornecedor como para o comprador, inviabilizando o seu carácter social e o seu valor-total — uma unidade subjectiva largamente estab, cida pelas determinações sociais atribuídas à mercadoria e às quais podem ou não aliar-se o seu valor-de-uso, isto é, a sua adequação prática. Assim, desde o início da sua produção a mercadoria, ou o produto, revela-se como uma coisa ao mesmo tempo sensível e supra-sensível.[3]

Este carácter místico da mercadoria evidencia-se, com bastante clareza, no caso das obras de arte: são “itens de colecionador”[4] cujo o valor é definido pelas operações reflexivas e pela proliferação dos discursos que, junto da comunidade dos seus espectadores, elas incitam. No momento em que determinados objectos são apresentados dentro do contexto da arte eles tornam-se então elegíveis não só para uma consideração estética, como também para a consideração sobre a sua funcionalidade enquanto arte.[5] Uma vez ultimado este processo de validação, por quanto mais tempo se mantêm estas operações, quanto tempo demora o seu valor a assentar sobre as relações do mercado? No universo de uma produção tão prolifera e mediatizada, como o da actualidade, qual poderá ser a efectiva permanência ou validade de uma obra de arte?

Sublinhando o paralelismo entre o objecto artístico e a mercadoria comum, pela presente exposição, procura-se explorar a explícita conjugação entre a dimensão económica e cultural, onde a arte não só segue as regras do mundo mercantil e mediático como também reproduz, em certa medida, o seu modus operandi. Firmam-se, assim, como pontos de partida os conceitos de processo, desenvolvimento e tecnologia para uma reflexão relativa ao domínio do tecnocapitalismo e das indústrias culturais sobre a produção artística.

Dentro deste contexto as propostas aqui apresentadas por Bárbara Bulhão, Fábio Colaço, Hugo Lami e Francisco Pinto dispensam formalismos, reconsideram o entendimento da obra como um artigo, evocando, uma vez mais, a expansão dos modos de fazer e entender o objecto de arte. Exploram-se a sequência de operações e ocorrências, a aleatoriedade, a transformação inadvertida e a perda da informação, o inacabado e os limites da matéria processada entre as múltiplas reconfigurações na criação de uma obra.

Em Methylene blue,Bárbara Bulhão realiza um exercício sobre a ideia de processo como parte fundamental para formação física e conceptual da obra de arte, por meio da observação e anotação contínua das relações estabelecidas entre matéria, espaço e documentação. Pequenas formações regulares, de um composto de areia e Azul Metileno[6], dispõem-se em grelha sobre o chão. Por elas convida-se à observação da acção do tempo que é explicita no gradual desaparecimento do pigmento utilizado, na decadência da forma como também na sua anulação (um conjunto de ocorrências previstas, mas não necessariamente encadeadas por esta ordem). Uma segunda grelha, composta pelo registo fotográfico deste processo, constrói-se, espelha-se, progressivamente sobre a superfície da parede. Da íntima relação entre estes dois grupos resulta constatação da contínua reconfiguração da obra interpelando-se, ainda, a sua subversão enquanto produto acabado.

A esfera da contaminação mediática é tomada por Fábio Colaço na sua vídeo-instalação The End of the World. Transmite-se uma irónica anunciação cataclísmica resultante do arranjo de várias representações do meteorito — esse designado agente do fim do mundo desde tempos tão remotos — e da sua sincronização aleatória com uma faixa de som composta por algumas datas anunciadas para o apocalipse. A obra desenvolve-se em torno das ideias de apropriação e ficção dessa informação imagética e sonora proveniente de um imaginário extensamente difundido e manipulado.

Um prenúncio de ruptura e um sentimento de insustentabilidade é também abordado por Hugo Lami em City of Madness. A reflexão sobre os contínuos processos de artificialização da vida humana e da experiência da realidade expressa-se pela construção e reconstrução ad aeternum de um abrigo formado por lixo tecnológico — esses artefactos da modernidade. Evocam-se os conceitos de tecnologia, de mediação e interferência, de acumulação e de desperdício. Empilham-se produtos, manipulam-se estruturas, confina-se o espaço — convida-se espectador a um momento de recolhimento, de ponderação sobre a nossa relação com o mundo ditada pela técnica, sobre a constante agencia humana na exploração e produção do seu ambiente.

Por sua vez, Francisco Pinto procede a uma alusão directa à mercadoria comum e às estratégias de marketing para a promoção do produto. Em rect(random(1, 25), random(1, 25), 12, 12); mimetiza-se um sistema expositivo comercial, na sua brancura e regularidade — uma apresentação higienizada — à qual se alia um reverso tecnológico e caótico da mercadoria e do comércio massificado. A estas referências anexam-se a imprevisibilidade, a configuração e reconfiguração de resultados, a falha e o limite do aparato tecnológico, preconizado por um mecanismo de LegoTechnic e por um código aleatório que faz rodar sobre si próprias pequenas placas de plástico.

Com a aguardada chegada ao público, esta exposição e as obras que a compõem libertam-se finalmente do seu estado WIP. Iniciam-se assim, as suas operações efectivas tal como a determinação do seu valor.

      Andreia César

 

[1] Investopedia Academy, “Work in Process,” [Consult. 2017-12-20]. Disponível em:

https://www.investopedia.com/terms/w/workinprogress.asp

[2] Marx, Karl, (2015), O Fetichismo da Mercadoria e o Seu Segredo, Antigona, p. 72

[3] op. cit., p. 37

[4] Kosuth, Joseph, (1969) Art After Philosophy, [Consult. 2017-01-08]. Disponível em:

https://monoskop.org/images/4/46/Kosuth_Joseph_1969_1991_Art_After_Philosophy.pdf

[5] Por funcionalidade enquanto arte, toma-se neste contexto pelo reconhecimento do efectivo valor-de-uso do objecto ou obra para a continuidade da na nossa reflexão sobre a natureza da arte.

[6] O azul de metileno é um fármaco utilizado frequentemente como um corante bacteriológico e como indicador. Tem muitas aplicações nos mais variados campos de que são exemplo a biologia e a química.

 

 


Biografias dos artistas:

Bárbara Bulhão [Évora, 1992], vive e trabalha em Lisboa. É mestre em estudos de Escultura pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa [2013-2015] e licenciada em Artes Visuais-Multimédia na vertente de escultura na Universidade de Évora [2010-2013]. Em 2016 realizou o Independent Study Programme Maumaus –  Escola de Artes Visuais em Lisboa. Das suas exposições individuais nomeiam-se Telhados de casas maiores que a minha, Hotel Madrid [Caldas das Rainha, 2016] e Duas Naturezas, um Homem na Galeria do Museu Arqueológico do Fundão [2014]. Das exposições colectivas em que participou destacam-se: Prémio Revelação D. Fernando II, Museu das Artes de Sintra [2017]; Double, Museu Geológico [Lisboa, 2017]; Sugar shock, Budapest Galéria, [Budapeste, 2017]; 1º Prize CAT 2015/2016, Casa ocupada, R. Dom Carlos Mascarenhas, 22 [Lisboa, 2016]; Casa das Artes de Tavira [2016]; 90º à sombra, Casa das Artes Mário Elias [Mértola, 2016]; mOstra’16 [Lisboa, 2016]; Demanda, Palácio das Artes [Porto, 2016]; Re Tornar Terra, Galeria Bang bang [Lisboa, 2016]; Periplos/Arte Portugués De Hoy no CAC Málaga [Málaga, 2016]; Ciclo Try Better, Fail Better’15, Teatro Taborda [Lisboa, 2015]; Concreto Desarmado, Biblioteca Camões [Lisboa, 2015]; Esculturas no Palácio, Palácio do Marquês de Pombal [Oeiras, 2014]; Palavras na Cidade, Galeria Carpe Diem Centro de Arte e Pesquisa [Lisboa, 2014]; Uma simples Medida e um Gesto Arriscado, Universidade de Évora [2013]. Participou ainda no FUSO – Anual de Vídeo Arte Internacional de Lisboa [2017].

 

Fábio Colaço [Lisboa, 1995], vive e trabalha em Lisboa. É licenciado em Escultura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa [20013-2016] e frequenta o mestrado em Arte Multimédia nesta mesma instituição [desde 2016]. Actualmente integra o Programa Erasmus na ADBK em Munique [desde 2016]. Expõe desde 2014, contando já com a exposição individual Trevum no Museu das Artes de Sintra [2017]. Entre as exposições colectivas em que participou contam: Prémio Revelação D. Fernando II, Museu das Artes de Sintra [2016]; Double, Museu Geológico [Lisboa, 2016]; Ciclo do Liminar #9, Zaratan Arte Contemporânea [Lisboa, 2016]; in possível – com n… entrar na possibilidade, Arquipélago, [Açores, 2016]; Casa Ocupada [Lisboa, 2016]; Finalistas de escultura, Palácio Marquês de Pombal [Oeiras, 2016]; 7a Edição Condomínio [Lisboa, 2016]; Projet hors-les-murs à Porto [2016]; mOstra ’16 Preview [Porto, 2016]; Só não podes atirar pela janela, Palácio das Artes, [Porto, 2016]; Fdul experience, Faculdade de direito da Universidade de Lisboa [2015]; e Abril Hoje, Reitoria da Universidade de Lisboa [2014].

 

Hugo Lami [Coimbra, 1994], vive e trabalha em Londres. É Licenciado em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa [2012-2016]. Participou no Programa Erasmus da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Leeds, Inglaterra [2015]. Foi também Estudante Convidado na Kunstakademie Düsseldorf [2016-2017]. Actualmente frequenta o Mestrado em Escultura na Royal College of Art  em Londres. Expõe desde 2011, contando já com as seguintes exposições individuais: Instalação World Wide Web no telhado de Antichambre [Düsseldorf, 2017]; Stadtvenen no Consulado Português de Düsseldorf [2017]; Klangkörper em Antichambre [Düsseldorf, 2017]; A Day na Galeria Graça Brandão [Lisboa, 2016]; Sombras de uma Essência, Biblioteca da Universidade Nova de Lisboa [Monte da Caparica, 2015]; Entre as exposições colectivas em que participou nomeiam-se: Viga, Galeria Quadrum [Lisboa, 2017]; Digital Display, What is the Future of Art?, Tate Modern, [Londres, 2016]; Contemporary Crisis, Bunkerkirche [Düsseldorf – Heerdt, 2016]; e GAB-A IX – Galerias Abertas das Belas-Artes 9ª Edição, FBAUL [Lisboa, 2015].

 

Francisco Pinto [Alcácer do Sal, 1991], vive e trabalha em Lisboa. Licenciou-se em Pintura pela Faculdade de Belas Artes [2010-2014]. Actualmente frequenta o Mestrado em Arte Multimédia nesta mesma instituição [desde 2016]. Expõe desde 2013, contando já com a exposição individual Retrato de uma Sociedade Desorientada no Auditório Municipal em Alcácer do Sal [2015]. Das exposições colectivas em que participou contam-se: Contra /TEMPO, Fábrica Braço de Prata, [Lisboa 2017]. GAB-A, V, VI, VII, VIII e XI, FBAUL, [Lisboa, 2012-17]; AAA 8º Edição, convidado pelo atelier Vieira Ribeiro [Lisboa, 2017]; Exposição de Finalistas de Pintura 2013/2014, Sociedade Nacional de Belas Artes, [Lisboa, 2015]; Artis 2015, Galeria de Arte do Casino do Estoril  [2015]; Ambivalências, Edifício AXA [Lisboa, 2015]; 12×12, Atelier da Travessa [Lisboa 2015]; XXVII Salão de Primavera/Prémio Rainha Isabel de Bragança, Galeria de Arte do Casino do Estoril [2014]; 12×12, Atelier da Travessa [Lisboa, 2013]; Vinte e Dois(22), VAAG Art Gallery [Lisboa, 2013].

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Bárbara Bulhão, Fábio Colaço, Hugo Lami e Francisco Pinto, com curadoria de Andreia César  | WIP

Produzido por MUTE, Janeiro de 2018