12 de Abril 11 de Maio de 2018. Diferença e repetição | Ana Leonor Madeira Rodrigues

As obras que constituem Repetição e Diferença recorrem à tinta de óleo como campo onde são depositadas marcas circulares de grafite. Ocupando todo o campo até transbordar para além dos seus limites, a ação da grafite vai ocupando o suporte vertical até ser suspensa, aquando da sua aproximação do centro. Passando do bidimensional do suporte ao unidimensional do vórtice circular, o evento tem o seu desfecho no adimensional da tinta branca. A arena é demarcada no início da ação, num gesto compulsivo que gradualmente se suspende para adquirir um estado volátil. Visualmente, o círculo cumpre uma trajetória centrípeta, enquanto a percepção o constrói como uma entrega total ao observador. A delimitação do campo de ação dá gradualmente azo a um espaço indeterminado, aglutinando projeções do observador que oscilam entre o diáfano do branco e a matéria negra dos limites do círculo. Se a gênese da ação decorre de uma decisão peremptória, a sua execução prossegue em cegueira consoante se vai acercando do vazio nuclear. Adquirindo consistência pela entrega ao acaso, o vazio surge enquanto gerador do acontecimento como espaço afectivo, onde o olhar e a ação se cruzam.

Sendo o vórtice realizado de modo compulsivo, comparece no campo visual com a aparência de instante responsável pelo contacto e colocação intensa no mundo. Da cegueira eclode uma clarividência fundada na dádiva, em que a perda de poder se transmuta em aquisição de poder, pela troca estabelecida conforme o olhar imerge adentro do vórtice. A dinâmica de troca é fomentada, ademais, pelo retardo estabelecido por velaturas de tinta branca, pelo que o presente surge como camadas sucessivas de registos lineares. A deposição do instante distende o olhar para todo o campo visual e, quando os seus limites são captados, toda a ação retorna, desde a sua gênese. Os limites do corpo coincidem com os limites do campo visual,  mas a sua verdade deve ser lançada ao domínio das aparências; e apenas pela sua desmultiplicação pode ser alcançada a crença na pura ilusão. A proliferação das performances picturais de Ana Leonor resulta da premência de atualização, cíclica, da lucidez alcançada somente quando a obscuridade do instante atinge a condição de epifania. Do espaço-limite irrompe a intensidade de um instante que, ao pulverizar as fronteiras do corpo e do ser, faz do evento um encontro singular, o momento primeiro de presença no mundo.

Fernando J. Ribeiro

 

Biografia Resumida:

Ana Leonor expõe regularmente desde os anos 90. Grande parte do seu trabalho interage de um modo irónico e poético com o discurso científico e é neste contexto que cria um acidente bacteriológico que propõe alterar a relação entre espaços interiores e os seus habitantes, a que chamou “Queimado por Azul”, sobre o qual tem trabalhado até recentemente.

Tem ainda uma intensa actividade no desenho, quer como artista com diversas exposições, quer como investigadora, interessando-se sobretudo pelo processo cognitivo do acto de desenhar, na sua especificidade de modo não verbal de comunicação, sobre o qual tem vários livros publicados. É professora catedrática da Faculdade de Arquitectura, Universidade de Lisboa.

Ana Leonor Madeira Rodrigues | diferença e repetição

Produzido por MUTE, Abril de 2018