Super-dominados pela divina propaganda

 

As fragilidades fisiológicas e psicológicas levam-nos a sonhar com super-heróis, seres que são versões impossivelmente poderosas de nós próprios. Usamos essas projecções mentais para nos convencermos de que somos capazes de superar todas as dificuldades e é por isso que na cultura pop as veneramos. Estas personagens são então símbolos da força do capitalismo, da inevitabilidade do pós-moderno e da apologia do individualismo extremo através da personificação de capacidades sobre-humanas.

Pedro Almeida apresenta-nos retratos destes seres superpoderosos humanizando-os com múltiplas fragilidades. Mas será que as pinturas desta mostra só nos pretendem alertar para a arrogância do capitalismo que impera há décadas, como é evidenciado no ensaio sobre “o fim da história” de Fukuyama? Será que Pedro Almeida pretende fazer um retrato anti-pop de uma temática típica da pop-art?  Porque será que os “calcanhares de Aquiles” de todas estas personagens de banda-desenhada têm alguma coisa para nos dizer sobre a verdadeira natureza da nossa vontade de poder e sobre o que é essencialmente esse poder?

Nestas telas de grande impacto há um elemento de propaganda médica que se sobrepõe aos heróis, que apesar de superpoderosos, não são mais do que modelos a anunciar medicamentos. Se muitos deles já estão tão próximos do divino, o que podemos dizer deste elemento publicitário que os transforma em meros meios para atingir fins? Mais significativo do que o super-humano, ou até do que o princípio activo dos medicamentos, é o poder do marketing que nos faz acreditar que só a publicidade nos pode trazer a solução para todos os nossos problemas. Ou seja, é no anúncio que reside o verdadeiro poder, não no comprimido ou na molécula e muito menos nos nossos heróis. É na certeza de que até o super-homem se resume a um suporte para a mensagem de que só o Vick’s vaporub nos pode devolver a nossa capacidade para respirar como deve ser.

Mas este retrato crítico da propaganda médica não fica por aqui. Não chega para Pedro almeida trabalhar a cor intensa e o lettering garrafal que vulgarizam todos os super-heróis. O artista questiona mesmo as consequências pseudo-históricas de alguns medicamentos retratando por exemplo Tarzan e Jane enquanto Adão e Eva no paraíso que graças ao contraceptivo Multiload ficam inférteis. Pedro também nos oferece alguma perspectiva crítica sobre nós próprios quando nos apresenta o Batman deprimido e dependente do anti-depressivo Zolofte para conseguir reinventar-se e continuar a reagir às adversidades da vida.

O divino que Niezsche matou volta na forma de publicidade da indústria farmacêutica, da qual até os super-humanos precisam… ao ponto de se limitarem a validar este “todo poderoso” manipulador e portanto denunciarem a sua impotência face a um novo divino. Esta manipulação é tão forte que chega ao ponto de nos convencer da eficácia do placebo (conseguindo mesmo torná-lo eficaz só através do poder da sua sugestão), tem o poder de  regular o nosso estado anímico, controlar a reprodução dos casais mais férteis e de vergar os seres mais poderosos do universo aos seus slogans.

Mas como dizia Mcluhan “O meio é a mensagem”: é a pintura desenhada como na capa de um livro de BD que nos leva a olhar para o processo pictórico revelado na periferia das telas onde podemos acompanhar o deslaçar das camadas e das pinceladas largas das cores mais dominantes, tal como os pingos de acrílico que escorrem inadvertidamente. É esta moldura de tela crua que nos revela a honestidade do processo que o artista segue na desconstrução da simulação de um outdoor publicitário.